sábado, 6 de fevereiro de 2010

A CEGUEIRA REPUBLICANA

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Em Outubro de 1911, na sequência duma tentativa balbuciante de restaurar a Monarquia, que baqueara um ano antes, um delegado do governo veio à Póvoa para se inteirar do eventual conluio conspiratório de gentes da vila.
As 11 pessoas ouvidas, todas da facção mais radical do republicanismo já dividido, foram concordes num ponto, em atacar o pároco e o seu jornal. E alargavam esse ataque ao seu coadjutor, o P.e Leopoldino Mateus, ao fundador e director da Pia União das Filhas de Maria, P.e José Cascão, e a quaisquer outras pessoas mais religiosamente empenhadas.
A República, que durante um ano nada fizera de positivo, cavara uma divisão bem funda entre os portugueses, mas continuava a ser para os seus fanáticos a panaceia para todos os males do país.
Apesar da purga inicial – extinção de todas as Ordens Religiosas – estes declarantes mostravam-se alarmados com o jesuitismo reinante. Um jesuitismo sem jesuítas, entenda-se. Consideravam-no o mal fundamental que obstava ao hipotético bem-estar que a sua República imaginária encarnava, mas que ninguém via. Mostram-se unanimemente firmes quanto este intocável dogma.
Todavia, como reconhece um deles, Sebastião Tomás dos Santos, professor liceal, quase ninguém na Póvoa e seu concelho desejava essa suspirada, imaculada, ideal República:

[…] “esses elementos [que surdamente e com tenacidade combatem a República], à frente dos quais não podem deixar de estar o prior, o subdelegado de saúde, médico Caetano de Oliveira, Josué Trocado e sogro, farmacêutico Vieira e padres Cascão e Amorim, contam com o apoio incondicional do clero e de quase toda a população do concelho, que sofre da terrível educação jesuítica”.

Parece caso para propor: pois expulsem o concelho inteiro!
Mas a constatação do professor não demove aqueles iluminados da justeza - evidentemente antidemocrática - do seu combate. Por vontade deles, seriam silenciadas todas as vozes poveiras discordantes, para se ouvir apenas a melodia etérea dos seus hinos republicanos:
“Ave República, cheia de graça, o Presidente é convosco…”
Como as paixões podem cegar as pessoas, bloqueando-as para a aceitação das realidades mais óbvias!
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Mais um apontamento sobre os primeiros republicanos; é da autoria do Mons. Manuel Amorim e encontra-se no livro Um instante com cem anos, “O Comércio da Póvoa de Varzim”, 1903-2003, organizado por Alberto Faria Frasco e Emília Nóvoa Faria Frasco, edição da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, 2004, pág. 60:
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“Muito do mal estar das gentes da Póvoa no alvorecer da República deve-se aos primeiros Administradores do Concelho, Dr. João Pedro de Sousa Campos e Dr. Sebastião Tomás dos Santos. O primeiro tinha tanto de bom médico como de mau político. Temperamento duro, irredutível, tratava as pessoas com uma sobranceria desmedida. Ateu e anticlerical ferrenho, elaborou os relatórios da expulsão dos Jesuítas e das Irmãs religiosas e deixou aí expresso todo o seu ódio à religião e à Igreja. O sucessor não desmerece. Tratava-se dum indivíduo de fora da terra, colocado como professor do liceu, que instalou na Administração as práticas da delação infiltrando espiões nas igrejas e estabelecimentos de ensino particular. Por este sistema levou o Prior Gonçalves da Silva a homiziar-se e os colégios Povoense e Moderno a fecharem as portas. O povo odiava o “Zefinha”, como era conhecido, e um dia correu-o da Póvoa a tiro. Em Julho de 1911, o cargo de Administrador é entregue a Santos Graça e a paz regressou à Vila. O conhecimento que tinha das pessoas e das instituições ajudaram-no a resolver os problemas do espinhoso cargo. O que não o livrou foi de um processo desencadeado por republicanos radicais. O “Comércio da Póvoa” geriu estas situações sempre em respeitosa sintonia com o seu ideólogo do qual era porta-voz e braço direito no “Comércio” o católico-republicano Leopoldino Gomes Loureiro”.

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