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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
O QUE ELES FORAM CAPAZES DE DIZER!
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A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DA PÓVOA DE VARZIM
AS IRMÃS DOROTEIAS PARTEM PARA O EXÍLIO

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
A EXPULSÃO DAS IRMÃS DE CARIDADE DO HOSPITAL POVEIRO
A este propósito, lemos num jornal poveiro que uma vez uma das irmãs andava a pedir e dirigiu-se a um vendedor de peixe, que lhe escarrou na mão. Ela limpou-a e continuou: - Isso foi para mim, agora dê-me alguma coisa para os meus pobres.Na rua, transitavam invariavelmente aos pares, quase sempre por caminhos os mais curtos e escusos, esquivando-se dos lugares onde houvesse pessoas que as incomodassem e, principalmente quando para cá vieram, o rapazio e até adultos as surriavam bastante, com ditos mais ou menos picantes como os seguintes:- As Irmãs de Caridade… pum!Elas, com a vista baixa, lá seguiam o seu caminho, sem protesto ou indignação. E só raríssimas vezes respondiam, risonhas e amáveis.
Este procedimento republicano discriminatório é evidentemente reprovável e sem desculpa. Hoje cremos que é considerado crime, mas nenhuma consciência bem formada podia então tolerá-lo.Com o advento da República Portuguesa, e no sábado 8 de Outubro de 1910, tiveram conhecimento as irmãs que a autoridade administrativa por ordens superiores as não deixava continuar com hábitos talares (entenda-se, hábito). Algumas distintas senhoras desta vila, logo que souberam do facto, lhes enviaram diversas roupas e por sua vez a mesa de então ordenou que comprassem fazendas e fizessem as roupas que faltavam, para que trajassem civilmente, persuadidas que ficariam continuando com o seu mister. Porém, logo na segunda-feira, 10 do mesmo mês, foram elas avisadas pelo Sr. Administrador do Concelho que não podiam continuar mais ali, nem mesmo com outras vestes.Imagine-se os apuros e sustos das irmãs, receosas de serem presas; e, atarantadas e chorosas, partiram nesse mesmo dia até às duas horas da tarde, à excepção da velha Esperança, cozinheira da primitiva, quase inutilizada e sem família que a recebesse, que ficou e foi depois admitida como asilada, mas ultimamente também retirou para parte incerta.As irmãs que estavam no hospital por ocasião da expulsão eram:Superiora – Carolina da ApresentaçãoCozinheira – Maria dos AnjosDos asilados – S. BoaventuraBanco – FranciscaMedicina (homens) – S.to ÂngeloMedicina (mulheres) – SocorroCirurgia (mulheres) – FirminaVelha cozinheira – Esperança
Democracia republicana
Aos oito dias do mês de agosto do ano de 1911, nesta freguesia de Terroso, estando presentes os membros que compõem a comissão concelhia de inventário, senhores António dos Santos Graça, administrador e presidente, Mário da Silva Monteiro, servindo de secretário de finanças, e Domingos António Vieira da Silva, presidente da comissão paroquial respectiva, a fim de, de harmonia com o artigo sessenta e dois da Lei da Separação, se proceder ao arrolamento dos bens pertencentes às igrejas, como fez, principiando pela forma seguinte:Nº 1, bens imobiliários […].
Como que a pôr um embargo à alegria que todos sentiam no meio de tão linda e religiosa festividade, por ser a única que agrada e consola o coração do verdadeiro cristão e está no ânimo de todos os habitantes desta freguesia, apareceu um ofício do cidadão Administrador do Concelho de Vila do Conde, com a nota de “urgente”, que ao conhecer-se produziu o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia assim:Tendo conhecimento de que nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e confissões, sob a denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais práticas são proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e participar-me, caso não sejam acatadas as minhas ordens. Saúde e fraternidade.Ao cidadão regedor da freguesia de Outeiro.Vila do Conde, 27 de Julho de 1911.O Administrador do Concelho – Luís da Silva Neves.
Na imagem, página inicial do Auto de Arrolamento dos bens paroquiais de Terroso.
A BEATA ALEXANDRINA E A REPÚBLICA
As crianças em idade escolar, que ainda não tiverem comprovado legalmente a sua habilitação em instrução primária elementar, não podem assistir ao culto durante as horas das lições.
Ainda na Póvoa de Varzim - escreveu a Alexandrina - lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes. Quando estava sentada à porta da rua, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles correspondiam tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim. Observei algumas vezes que várias pessoas reparavam nisto e eu gostava e até chegava a sentar-me propositadamente para ter ocasião de me levantar no momento em que passavam por mim, só para ter o gosto de mostrar a minha dedicação e respeito pelos ministros do Senhor.
Co'as barbas de Afonso Costa
Nós faremos um pincel
Para limpar as botas
Ao bom Rei D. Manuel.
Depois de umas férias, ia para a Póvoa, eu e a minha irmã; tínhamos quem nos acompanhasse, mas só depois de atravessarmos a freguesia. Íamos pelo caminho-de-ferro e avistámos ao longe dois guardas-republicanos. Tivemos medo deles e refugiámo-nos na volta de um caminho. Como minha irmã levasse um cestinho com linho, eles imaginaram que ela levava fósforos (espera-galegos) – proibidos naquele tempo – e perseguiram-nos. Nós fugimos e gritámos muito. Aos nossos gritos acudiram várias pessoas. Já estavam para fazer fogo quando compreenderam que não éramos portadoras de tal contrabando. Felizmente desta vez escapámos à morte.
(1) D. António Barbosa Leão viu-se obrigado a viver de esmolas durante dois anos. Mais tarde, foi bispo do Porto.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
ALGUNS ARTIGOS DA INTANGÍVEL “LEI DA SEPARAÇÃO DA IGREJA DO ESTADO DE 20 DE ABRIL DE 1911”
O decreto da extinção das Ordens Religiosas saiu logo em 8 de Outubro de 1910; a Lei da Separação, essa veio alguns meses mais tarde, em 20 de Abril de 1911, mas drástica, brutal.
Esta pequena recolha de artigos dessa lei é indispensável para entender muito do que se passou nesses terríveis anos iniciais da República.
De acordo com o seu artigo 48 (ver abaixo), nenhum bispo ou sacerdote - as principais vítimas da Lei - se podia manifestar contra ela: ela era "intangível". O artigo 26, relativo às associações cultuais, era particularmente gravoso, pois qualquer agnóstico ou, no limite, ateu, podia mandar na igreja do seu lugar, mas o pároco não. E havia ainda nacionalização de todas as igrejas, dos paços episcopais, residências paroquiais, passais, etc., etc.
Pelos vistos, esta é que era a "ética da República" – a da prepotência e silenciamento do opositor, que no caso também era o oprimido e espoliado.
Para que não pareça que estamos a exagerar, veja-se este parágrafo de Joaquim Veríssimo Serrão, na sua História de Portugal [1910-1926], vol. XII, Editorial Verbo, 1995, pág. 131:
Menos de um ano depois da promulgação da lei, já Carlos Malheiro Dias a considerava, com fortes argumentos, inadaptável a Portugal, por não respeitar as condições do meio nem os sentimentos religiosos da população. O ministro da Justiça não tivera em conta estas realidades: «Legislar para as minorias é semear em rochedos. Numa democracia, então, a essa ousadia chama-se absurdo.» O Governo Provisório tinha alienado o capital de confiança que provém, para um novo regime, da extensão das simpatias que recebe. Considerando a medida tomada como «um estrondoso erro político», o mesmo escritor acrescenta como eco do que se tinha como opinião geral: «Nenhuma conveniência, nenhum momentoso interesse nacional, aconselhava o decreto intempestivo, redigido nos termos intolerantes que o notabilizam, e todo ele reflectindo a prosápia, aliás confessada, de exterminar a crença religiosa.» Estas palavras soam hoje como verdade incontroversa que a cegueira política do doutor Afonso Costa não quis reconhecer.
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Recolha
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Artigo 26º (os párocos ficavam subordinados às cultuais)
Os ministros de qualquer religião são absolutamente inelegíveis para membros ou vogais das juntas de paróquia e não podem fazer parte da direcção, administração ou gerência das corporações que forem encarregadas do exercício do culto.
.Artigo 48º (os párocos não podiam comentar a Lei da Separação, que era intangível)
O ministro de qualquer religião, que, no exercício do seu ministério, ou por ocasião de qualquer acto do culto, em sermões, ou em qualquer discurso público verbal, ou em escrito publicado, injuriar alguma autoridade pública ou atacar algum dos seus actos, ou a forma do governo ou as leis da República, ou negar ou, puser em dúvida os direitos do Estado consignados neste decreto e na demais legislação relativa às igrejas, ou provocar a qualquer crime, será condenado na pena do artigo 137° do Código Penal e na perda dos benefícios materiais do Estado.
Artigo 53º (impedimentos à edução religiosa das crianças)
As crianças em idade escolar, que ainda não tiverem comprovado legalmente a sua habilitação em instrução primária elementar, não podem assistir ao culto durante as horas das lições.
Artigo 57º (a realização dos actos públicos de culto ficava a arbítrio dos funcionários da administração)
As cerimónias, procissões e outras manifestações exteriores do culto não poderão permitir-se senão onde e enquanto constituírem um costume inveterado dos cidadãos da respectiva circunscrição, e deverão ser imediata e definitivamente proibidas nas localidades onde os fiéis, ou outros indivíduos sem seu protesto, provocarem, por ocasião delas, tumultos ou alterações da ordem pública.
Artigo 59º (o toque dos sinos era drasticamente limitado)
Os toques dos sinos serão regulados pela autoridade administrativa municipal de acordo com os usos e costumes de cada localidade, contanto que não causem incómodo aos habitantes, e se restrinjam, quando muito, aos casos previstos no decreto de 6 de Agosto de 1833. De noite, os toques de sinos só podem ser autorizados para fins civis e em casos de perigo comum, como incêndios e outros.
Artigo 60º (nem os particulares podiam exibir “emblemas religiosos” nas suas casas)
É proibido, de futuro, sob pena de desobediência, apor qualquer sinal ou emblema religioso nos monumentos públicos, nas fachadas de edifícios particulares, ou em qualquer outro lugar público, à excepção dos edifícios habitualmente destinados ao culto de qualquer religião e dos monumentos funerários ou sepulturas dentro dos cemitérios.
Artigo 62º (nacionalização de catedrais, igrejas e capelas)
Todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários, que têm sido ou se destinavam a ser aplicados ao culto público da religião católica e à sustentação dos ministros dessa religião e doutros funcionários, empregados e serventuários dela, incluindo as respectivas benfeitorias e até os edifícios novos que substituíram os antigos, são declarados, salvo o caso de propriedade bem determinada de uma pessoa particular ou de uma corporação com personalidade jurídica, pertença e propriedade do Estado e dos corpos administrativos, e devem ser, como tais, arrolados e inventariados, mas sem necessidade de avaliação nem de imposição de selos, entregando-se os mobiliários de valor, cujo extravio se recear, provisoriamente, à guarda das juntas de paróquia ou remetendo-se para os depósitos públicos ou para os museus.
Artigo 89º (um acto de cínica generosidade)
As catedrais, igrejas e capelas que têm servido ao exercício público do culto católico, assim como os objectos mobiliários que as guarnecem, serão, na medida do estritamente necessário, cedidos gratuitamente e a título precário pelo Estado ou pelo corpo administrativo local que deles for proprietário, à corporação que nos termos do artigo 17º e seguintes for encarregada do respectivo culto.
Artigo 98º (idem)
Os paços episcopais, os presbitérios e os seminários serão concedidos para a habitação dos ministros da religião católica e para o ensino teológico, sem pagamento de renda, nas condições dos artigos 89º e 93º e nas mais constantes dos artigos seguintes.
Artigo 99º (idem)
Os paços episcopais serão concedidos gratuitamente na parte necessária para a habitação dos actuais prelados em exercício, enquanto eles presidirem às cerimónias cultuais nos respectivos templos, tiverem direito às pensões de que tratam os artigos 113º e seguintes e não incorrerem na perda dos benefícios materiais do Estado.
Artigo 102º (idem)
O Estado concede os actuais edifícios dos seminários de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa (S. Vicente) e Évora para o ensino da teologia, sem pagamento de renda, durante cinco anos, a partir de 31 de Agosto próximo.
Artigo 152º (onde o legislador se preocupa com as viúvas dos padres)
Em caso de morte dum ministro do culto católico, ocorrida depois de fixada a pensão, ou desde o dia da proclamação da República, verificando-se, a requerimento dos herdeiros, que teria direito a ela, o Estado concederá metade ou a quarta parte da pensão fixada ou devida às seguintes pessoas de sua família:
1º Se sobreviver somente um dos pais do pensionista, ou ambos, a quarta parte da pensão com sobrevivência para o último.
2º Se sobreviver, além dos pais, ou dum deles, a viúva do pensionista, uma quarta parte da pensão para esta e outra quarta parte para aquele ou aqueles;
3º Se sobreviverem um ou mais filhos menores do pensionista falecido, legítimos ou ilegítimos, metade da pensão para todos eles, enquanto forem menores, com sobrevivência duns para os outros até a maioridade do mais novo;
4º Se, além dos filhos menores, sobreviverem só um ou ambos os pais, ou só a viúva, mãe daqueles, a quarta parte para esta ou para os pais e a quarta parte para os filhos, com sobrevivência duns para os outros;
5º Se, além dos filhos menores, sobreviver só a viúva, que não seja mãe deles, a quarta parte para aqueles e a quarta parte para esta, não havendo sobrevivência recíproca, mas só entre os filhos, nos termos do nº3º;
6º Finalmente, se, além dos filhos menores, sobreviverem um ou ambos os pais e a viúva, a quarta parte para os filhos, a oitava para os pais e outra oitava para a viúva, observando-se quanto às sobrevivências, respectivamente, o disposto nos números anteriores.
Artigo 156º (condenação dos párocos à fome)
A partir da publicação do presente decreto com força de lei, consideram-se extintas, e são em todo o caso inexigíveis em juízo, as prestações em dinheiro ou géneros, com que os paroquianos, por uso e costume, socorriam o seu pároco, compreendendo-se nesta extinção as oblatas ou obradas, as primícias, os sobejos da cera e os demais benesses; e também são inexigíveis em juízo, salvo os casos dos artigos seguintes, os encargos de funerais, enterramentos, ofícios, nocturnos, exéquias e bens da alma e quaisquer outros sufrágios.
Artigo 176º (interdição do uso de batinas em público)
É expressamente proibido, sob pena de desobediência, a partir de 1 de Julho próximo, a todos os ministros de qualquer religião, seminaristas, membros de corporações de assistência e beneficência, encarregadas ou não do culto, empregados e serventuários delas e dos templos, e, em geral, a todos os indivíduos que directa ou indirectamente intervenham ou se destinem a intervir no culto, o uso, fora dos templos e das cerimónias cultuais, de hábitos ou vestes talares.
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Apêndice
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Extinção das Casas Religiosas
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Decreto de 8/10/1910
Art. 1.º - Continua a vigorar como lei da República Portuguesa a de 3 de Setembro de 1750, promulgada sob o regime absoluto e pela qual os jesuítas foram havidos por desnaturalizados e proscritos, e se mandou que efectivamente fossem expulsos de todo o país e seus domínios «para neles mais não poderem entrar».
Art. 2.º - Continua também a vigorar como lei da República Portuguesa a de 28 de Agosto de 1757, igualmente promulgado sob o regime absoluto que «explicando e ampliando» a referida lei de 3 de Setembro de 1759, determinou que os membros da chamada Companhia de Jesus, ou jesuítas, fossem obrigados a sair imediatamente para fora do país e seus domínios.
Art. 3.º- Continua também a vigorar como lei da República Portuguesa o decreto de 28 de Maio de 1834, promulgado sob o regime monárquico representativo, o qual extinguiu em Portugal, Algarve e ilhas adjacentes e domínios portugueses todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as ordens religiosas fosse qual fosse a sua denominação ou regra.
Art. 4.º - É declarado nulo, por ser contrário à letra e ao espírito dos mencionados diplomas, o decreto de 18 de Abril de 1901 que, disfarçadamente, autorizou a constituição de congregações religiosas no país, quando pretextassem dedicar-se exclusivamente à instrução, à beneficência, ou à propaganda da fé e civilização do ultramar.
Art. 5.º - Em consequência e de harmonia com o disposto nos artigos 1.º e 3.º e nos diplomas aí referidos serão expulsos do território da República todos os membros da chamada Companhia de Jesus, qualquer que seja a denominação sob que ela ou eles se disfarcem e tanto estrangeiros ou naturalizados como nascidos em território português ou de pai ou mãe portugueses.
Art. 6.º - Os membros das demais companhias, congregações, conventos, colégios, associações, missões ou outras casas de religiosos pertencentes a ordens regulares serão também expulsos do território da República se forem estrangeiros ou naturalizados e, se florem portugueses, serão compelidos a viver vida secular ou, pelo menos, a não viver em comunidade religiosa.
§1.º Para o efeito da disposição deste artigo, entende-se que vive em comunidade os religiosos pertencentes a quaisquer ordens regulares que residam ou se ajuntem habitualmente na mesma casa ou sucessiva ou alternadamente em diversas casas, em número excedente a três.
§2.º - As pessoas referidas no § anterior são obrigadas a participar ao governo, pelo ministério da justiça, por ofício registado numa estação postal, a localidade do território da República em que estabelecerem o seu domicílio.
Art. 7.º - Os indivíduos compreendidos neste decreto que infrinjam qualquer das suas disposições, ou deixarem de cumprir imediatamente ou no prazo que lhes for marcado, as determinações legítimas da autoridade competente, incorrerão na pena de desobediência qualificada sem prejuízo da responsabilidade que porventura lhes caiba por constituírem associações ilícitas, nos termos do art. 282 do Código Penal, ou associações de malfeitores do art. 283, do mesmo código.
Art. 8.º - Os bens das associações ou casas religiosas serão arrolados e avaliados, procedendo imposição de selos; e os das casas ocupadas pelos jesuítas, tanto móveis como imóveis, serão desde logo declarados pertença do estado.
§ único – Aos bens das outras casas religiosas dar-se-á proximamente destino em decreto orgânico sobre as relações do Estado Português com as igrejas ou em regulamento do presente decreto.
Art. 9.º - A execução deste decreto e dos diplomas mencionados nos art.os 1.º a 3.º fica especialmente incumbida ao ministro da justiça que para esse fim poderá reclamar dos magistrados judiciais e dos procuradores da República, seus delegados e subdelegados, os serviços de que carecer, inclusive para se estabelecer eficazmente a identidade dos indivíduos atingidos por este mesmo decreto.
Art. 10.º - O presente diploma com força d selei entrará imediatamente em vigor e será sujeito à apreciação da próxima assembleia nacional constituinte.
Determina-se, portanto, que todas as autoridades a quem o conhecimento e execução do presente decreto com força de lei pertencer o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiram ente como nele se o contém.
Os ministros de todas as repartições o façam imprimir, publicar e correr.
Dado nos paços do governo da República aos 8 de Outubro de 1910.
Joaquim Teófilo braga, António José de almeida, Afonso Costa, Amaro de Azevedo Gomes, e Bernardino Machado.
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Transcrito do jornal poveiro Propaganda, de 16/10/1910.
ARCEBISPO DE BRAGA NO EXÍLIO
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O Marquês de Pombal – o maior e mais cruel ditador da nossa História – na sua guerra contra a Igreja expulsou os Jesuítas. O Mata-Frades, em 1834, foi mais longe, extinguiu todas as Ordens Religiosas e confiscou-lhes os bens.
Religiosos regulares acabaram contudo por se reinstalar no país a partir de meados do século XIX (mas apenas com base legal a partir de 1901, com Hintze Ribeiro). As suas casas eram agora pobres, pois já não havia mais aquelas doações, régias ou de nobres, de antigamente.
A República, que queria acabar com a Igreja Católica em Portugal, não retrocedeu apenas a 1834; foi então mais radical nas suas prepotências e desrespeito pela liberdade: extingiu as Ordens Religiosas, expropriou todas as sés e igrejas, todas as residências episcopais ou paroquiais, os passais, proibiu os padres de andarem de batina na rua, proibiu o toque dos sinos, proibiu que se levasse a Comunhão aos doentes, quis intervir na formação dos novos sacerdotes, instituiu as cultuais, etc., etc. Isto só teve paralelo nos regimes maios totalitários que se conhecem.
Os Bispos Portugueses não podiam senão opor uma recusa terminante a tais leis, e a República castigou-os com o exílio.
Sobre o exílio e morte do Arcebispo de Braga veja-se estoutra nossa página.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
PROTESTO DE GOMES LEAL
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Data de 12 de Janeiro de 1912 o protesto que segue; é da autoria dum antigo anti-clerical convertido, o poeta Gomes Leal. Copiámo-lo dum jornal poveiro. Nele se faz um relatório a quente dos atropelos cometidos pela jovem República.
I
Protesto – primeiro que tudo – como convicto e sincero cristão, contra todas as tiranias, abusos e vexames, exercidos contra a igreja de Cristo e seus ministros. Protesto mais ainda contra todas as heresias, blasfémias, sacrilégios e espoliações perpetradas dentro dos templos cristãos com escândalo geral dos fiéis, e não somente contra tudo o que se exercido nos templos da Capital, como também contras as freguesias rurais e sertanejas, em que se hão profanado Crucifixos, Imagens, Hóstias, Cálices e Vasos Sagrados do culto e ritual católico romano, e em geral, contra tudo o que ataca a essência sublime da Pontifical Doutrina.
II
Protesto, em segundo lugar, como cidadão português, não só contra todas as violações do Direito Nacional, como também, em especial, contra a lei iníqua que coloca materialmente e espiritualmente os sacerdotes portugueses em inferiores condições às do clero estrangeiro. Protesto mais, como cidadão português, contra todas as violências exercidas sobre os domicílios particulares ou propriedades individuais, como todas aquelas que se têm praticado derradeiramente e que os jornais têm relatado, em Lisboa, Porto, Coimbra, Sintra, Seia, Azambuja, Portel, Aveiras de Cima, Alentejo, Amieira, Vera Cruz, Courela, Alqueva, Ribatejo, Moita, Rio Maior, Vargem, as duas Beiras e finalmente noutras várias localidades e em territórios coloniais.
Em todas estas insurreições populares contra a propriedade alheia, reconhece-se – é certo – o profundo grau de miséria pública, mas o pensador tem que reconhecer também o espírito niilista e de anárquica revolta que lavra, e que imprudentemente soprou sobre este povo simples e ignaro o intempestivo dogmatismo republicano.
Alguns já querem arrepiar caminho e moderarem-se, mas é tarde. As suas teorias condenam-nos, e hão-de voltar-se, num dia breve, contra eles próprios.
III
Protesto, em terceiro lugar, como velho democrata avançado que outrora fui, nosso tempos em que, com o meu estro e os meus cânticos inflamados, cantei e idealizei uma República radiosa e gloriosa como a futura Jerusalém do Apocalipse de S. João, capital de espirituais Gerações, de Livres Raças e de Generosos Povos, protesto, repito, contra a marcha desastrosa que os modernos dirigentes têm imprimido à República actual, fomentando em vez de riqueza, o Deficit Público, que já se calcula em cerca de nove mil contos para o ano corrente, descurando deploravelmente o fomento agrícola, a indústria, a instrução primária e secundária, que estão num perfeito caos, a autonomia colonial, base de toda a pública prosperidade, e finalmente desprezando de tal guisa tanto os africanos como os orientais domínios que correm grave risco de serem alienados algum dia, tal como o padroado do Oriente e como o património sul-africano, em proveito da Alemanha, da Inglaterra, da Itália ou outro qualquer sindicato potencial.
E protesto, com profunda e cava amargura da minha alma, por ver aquela minha radiosa utopia de outrora, a espiritual imagem simbólica que esbocei nas nuvens da Fantasia, modelada segundo as formas gráceis das Virgens de Pergolese e as rosadas teorias de Platão, Séneca, Tomás Morus, Campanela e Catão, derribada agora, escaqueirada e salsujada no pó rasteiro e vil, e transformada em banco de onzenas e ganâncias – em mercado e tráfico de consciências e almas sujas – em tribunal e pretório de Pilatos, de Judas, de Caifás e Robespierre de meia escudela.
IV
Protesto, em quarto lugar, como velho jornalista, contra todos os atentados à liberdade de Imprensa e portanto contra todos os assaltos, incêndios e rapinagens contra redacções e tipografias de jornais portugueses, como “O Liberal”, o “Correio da Manhã”, o “Diário Ilustrado”, “O Povo d’Aveiro”, “A Palavra”, e contra todas as assolações futuras que s e rumorejam, incluindo, é claro, nas passadas assolações, os prejuízos que sofrem os centros académicos de Coimbra, Setúbal e Porto, saqueados e incendiados.
V
Protesto, em quinto lugar, como filósofo e pensador humanitário, contra todas as brutalidades e sevícias infligidas contra vários sacerdotes, presos políticos e pseudo-conspiradores, conduzidos indecorosamente às masmorras húmidas e subterrâneas do Alto do Duque, como um rebanho trágico e ululante de reses feridas no matadouro, e no meio das vaias, urros, apupos e bofetões de um desequilibrado povoléu, mal educado ainda para poder compreender bem os direitos de um povo culto e livre.
VI
Protesto com lágrimas, finalmente, na minha qualidade de Poeta, e portanto como adorador incondicional da sublime Lusitânia, do Ideal Transcende, da Justiça Intemerata, e da Santa Harmonia, contra este existente desolador de Negação e de lívida Descrença, porque em Portugal desgraçadamente a Religião já hoje perdeu a sua auréola divina e o seu místico resplendor, a Fé a sua língua de oiro e as suas asas de fogo, a Concórdia e a Paz a sua verde oliveira de pacíficos ramos, e a Justiça a sua túnica branca e as suas balanças imaculadas – em que V. Exa., Sr. Ministro da república, introduziu pesos falsos.
Janeiro, 1912.
Gomes Leal
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A NAU AFONSINA
Sátira contra Afonso Costa, em paráfrase a A Nau Catrineta, publicada n’O Poveiro de 21-3-1912, a partir da versão saída n’A Nação. Esperava-se para breve o regresso daquele político, que viajara para a Suíça.
Lá vem a nau Afonsina
Que tanto dá que falar!
Ouvide agora, cidadãos,
Uma história de espantar.
Passava já de dois meses
Que tinha ido passear;
Já não havia repórter
Que o quisesse entrevistar.
Meteu pernas a Paris
P´ra mais alguém arranjar;
Mas era tão conhecido
Que ninguém o quis aturar.
Deitou sortes ao acaso,
Quem havia de procurar.
Logo a sorte foi cair
No francês Clemenceau.
- “Colega, ilustre colega,
Eu p’ra minha terra vou
E peço que por cá digas
Que a coisa consolidou”.
- “Já me não iludo com essas,
Nem tão pouco ingénuo sou,
Nem me deixo embarrilar,
Nem no teu embrulho vou”.
- “Colega, ilustre colega,
Olha que o Augusto falou
E disse que a Inglaterra
Junto de nós se postou”.
- “Catita, muito catita,
Colega do Separou!
Então muda de figura,
Já cá não está quem cantou;
E vou dizer nas gazetas
Que a coisa consolidou.
Que é bela a tua república,
Que tem lindos radicais”.
- “São todos meus filiados,
E não há outros iguais;
Hei-de oferecer-te uma cria,
E se quiseres pede mais”.
- “Teus filiados não quero,
Fazem crise nos favais”.
- “Dar-te-ei um par de primos
Lá das choças sem rivais”.
- “Não quero primos das choças,
Que têm bombas e punhais”.
- “Dou-te então o Bernardino,
O melhor dos cordiais”.
- “Não quero o teu Bernardino,
Que faz falta aos arraiais”.
- “Que queres tu, querido colega,
Que presente te hei-de dar?”
Afonso, quero o teu jornal
Para a ele… me enxugar!”
- “Renego de ti, colega,
Estavas comigo a chuchar!
O jornal é da minha alma,
Sem ele dava-me um ar”.
Fez-se à bela a boa nau,
De mansinho a navegar;
O Clemenceau disse adeus
Com o olho esquerdo a piscar…
E à chegada do Afonso
Vivório se ouvia estalar.
Crispim